quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Samuel

Samuel foi criado na Primeira Igreja Batista de Inhaúma. Ainda aos catorze anos fumou pela primeira vez, nos fundos do borracheiro. O borracheiro era padrasto do seu parceiro no trabalho de geografia, aquele trabalho sobre o relevo nas regiões do Brasil. Desde então, descobriu que cantar os hinos na igreja, como os pais haviam ensinado-o, não era suficiente. Disseram, quando o viam saindo com os meninos que iam aos bailes no clube, que ele não daria em boa coisa. Teve época que mesmo ele desconfiou disso. Hoje acorda todos os dias às seis da manhã, dá de comida para seu cachorro, um vira-lata de uns oito ou nove anos, e vai para o trabalho. Tem uma banca de flores ali perto do Largo da Carioca, que funciona das nove da manhã às cinco da tarde. Vai de metrô em pé ouvindo música americana no fone de ouvido. Vez ou outra joga Paciência no celular. Ou Show do Milhão. Ainda que escutasse músicas americanas no rádio, fazia questão de excluir as questões de inglês que Silvio Santos fazia no aplicativo do celular. Não entendia uma palavra em outro idioma, ainda que todos os dias saísse de casa com uma frase diferente estampada no peito.


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Eliza

Eliza trabalha todo dia naquele camelô que vende biscoito Frank perto da universidade alí no Maracanã. Faça chuva ou faça sol. Mas se fizer temporal, não tem como. Eliza não sai de casa nem manda os netos pra escola. Fica todo mundo em casa, vendo Encontro com Fátima e RJTV Primeira Edição. Quando a chuva não cai e o sol está muito forte, Eliza coloca logo a viseira rosa. Aquela que a menina da novela das nove usava no ano passado. Se enche de pulseiras e anéis e desce a Mangueira. Monta a barraca alí entre a amendoeira e aquele rapaz que ela nunca lembra o nome, só lembra que o nome começa com L. Isso, aquele que vende umas coisas inúteis feitas de papel. Eliza às vezes tem pena dele porque ele compra biscoito com ela na hora do almoço. Ela então faz várias suposições de que ele deva ser sozinho na cidade e não tem ninguém que faça uma marmita com feijão e arroz para ele. Outras vezes ela tem pena é de quem compra as coisas com ele. Onde já se viu?, ela pensa. Comprar sacola  de jornal nessa cidade que quando chove faz estrago! Vê o dia todo os meninos passarem, saindo do metro e indo estudar. Sonha com o dia que o neto mais novo acabar o segundo grau e passar no vestibular. Ele dizia há um tempo atrás para ela que queria fazer faculdade de Direito. Imagina só, ele de terno e gravata!


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Thiago

Thiago mexia nas unhas meio roídas e se concentrava no sol que passava filtrado pela janela do metrô. Tirava aquela sujeirinha que aparece quando a unha já está há mais de uma semana sem ser cortada e jogava no chão, passando entre um dedo e outro. Usava roupa social, porque era requisito em seu trabalho. Ganhava pouco, mas ninguém dizia. O cabelo era arrepiado, como os meninos de sua época costumavam usar. Tinha o olhar sério e fixo. Nem o sol o ofuscava, permanecia parado e concentrado. Não lacrimejava nem nada. Vez ou outra, quando não estava limpando as unhas ou mexendo os pés estranhamente ao som de uma banda popular que tocava em seu iPod, ajeitava o piercing do nariz. Uma argolinha fina, na narina direita. Quase imperceptível, mas assim que era percebida lhe dava toda a personalidade que faltava naquelas roupas de advogados, vestidas pelo office boy do escritório de advocacia. Levantou ainda mais a manga da camisa meio rosada, porque era janeiro, e revelou uma estrela tatuada no braço direito, mais ou menos três centímetros de estrela no antebraço quase sem pelo. Ajeitou a manga, dobrando-a mais para cima. Fez o mesmo com o braço esquerdo e parou. Não sei se parou porque cansou ou porque mudou a música que tocava em seu ouvido. E quando parou, voltou às unhas e ao sol.


quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Celinha

Celinha ia sacar dinheiro. Aproveitou a hora do almoço, porque quando o relógio dava cinco da tarde, só pensava em ir pra casa. Correr do trânsito que se formaria entre a Tijuca e o Méier às cinco e meia. Queria ir pra casa, encontrar seu filho e beber a cervejinha que lhe era de direito. Lembrava do pai, quando era mais nova. Ele bebia todo dia uma cervejinha. Às vezes até vinho ele bebia, nos dias mais frios. Sua mãe sempre reclamava e gritava e dizia que era um absurdo. Na época ela não entendia. Hoje ela sabe. O que faz com que ela tenha forças para, no dia seguinte, acordar e voltar à Tijuca para trabalhar das oito às cinco é o momento em que ela deita em sua cama, bebendo uma garrafa de cerveja, enquanto o filho faz sabe-lá-o-quê no quarto dele pelo computador. Há uns anos desistiu de controlar. O filho desde os treze acaba que sabe mais das coisas de computador do que ela. Ela era presa fácil nas garras da esperteza dele. Melhor é abrir a garrafa e beber e dormir quando fica sonolenta, daquele jeito que o corpo fica mole e a vista meio nublada. É o que faz ela suportar também esse verão. Sacou dinheiro para a cerveja e para as batatinhas Elma Chips que agora no almoço bateu o desejo de comer à noite. Dane-se que ia sujar seu lençol e enchê-lo de cheiro de cebola e salsa. Sábado colocaria tudo na máquina mesmo.